segunda-feira, 27 de junho de 2011

Sempre a faturar

No outro dia tive que apanhar um táxi até ao aeroporto e, quando ia a sair, o taxista disse para eu esperar porque tinha que me passar uma fatura. A surpresa tomou conta de mim, já que nunca me tinha sucedido tal coisa. Mas rapidamente o senhor motorista explicou-se, dizendo que era normal as autoridades estarem no interior do edifício por de trás dos vidros espelhados com atenção a quem passava, ou não faturas.

Depois corei um pouco porque eu nunca peço faturas. Ou melhor, não tenho por hábito fazê-lo, só quando me lembro e são raras as vezes. Nem de propósito, este tema surgiu numa conversa no sábado, onde falávamos em como combater este mal. A verdade é que todos sabem o peso de uma fatura, mas ninguém se preocupa com as consequências porque não são imediatas ou óbvias. Além disso, lidamos displicentemente com este bocadinho de papel, o que levou ao esquecimento de que é obrigatório por lei pedir e passar faturas. A única solução que achámos viável, foi sugerida por um pequeno fusileiro que dizia: Porque não cobrar mais 1% de IVA que era devolvido na totalidade quando se faz os impostos, após a apresentação das faturas correspondentes?

Seja bem ou mal pensado, funcione ou não, é estranho fazermos parte de um povo que só age de forma cívica se for compensado imediatamente por isso, ou se for coagido. Depois destas histórias todas deu-me vontade de nunca mais ver faturas à frente, depois percebi que faço mesmo parte deste povo. Há que mudar.


segunda-feira, 20 de junho de 2011

Ser poeta é ser mais alto, mas um engenheiro também pode ser

Criatividade, para mim, passa por resolver problemas de uma forma surpreendente, quase óbvia para quem está de fora, mas eficaz independentemente da complexidade do mesmo. Este substantivo, no entanto, está muito relacionado com as áreas das artes como se fosse uma coisa exclusiva dos artistas. Qual é, na verdade, a grande diferença entre criar uma pintura e criar um interface inovador? Qual a diferença entre compor uma música ou compor aulas de forma a cativar alunos? Qual a diferença entre esculpir uma pedra e juntar moléculas para fazer um nano carro? 

A grande diferença é o resultado. Nas áreas artísticas pudemos desfrutar do produto final de uma forma quase imediata e prazenteira. Nas outras áreas, como são dirigidas a um público muito específico, o prazer imediato passa para segundo plano, principalmente porque o intuito é, objetivamente, a funcionalidade. Mas está lá, num amor incondicional ao telemóvel, ou num agradecimento silencioso à Via Verde pelo tempo que poupa, na urgência de ter a cura rápida para uma dor de cabeça, no prazer em puder ralar queijo para pôr na comida, na simplicidade de se puder limpar o rabo na casa de banho, etc.. 

Com isto não quero dizer que os artistas raptaram a criatividade e declaram-na deles, muito pelo contrário. As outras áreas é que não a assumem como delas.
Por isso, quero agradecer a todas essas pessoas que se dizem “não criativas” por nos ajudarem todos os dias e dizer-lhes que se assumam, porque isto de ter boas ideias é sempre difícil, seja em que área for.


segunda-feira, 6 de junho de 2011

Mudam-se os tempos, expressam-se as vontades de 59,9% da população.

A abstenção sempre foi uma coisa que me fez confusão. Não percebo como é que se pode deixar em mãos alheias a escolha de quem vai governar o nosso país. Percebo que haja exceções onde, realmente, será impossível uma pessoa ir votar, porque azares acontecem. Mas a verdade é que, quando quase metade da população não vai votar não é por exceções, é por estupidez. E não me venham dizer que isto demonstra o descontentamento em relação aos políticos. Se há coisa que o voto em branco representa (muito embora represente quase nada) é isso.

Ontem, em conversas pós voto, este tema apareceu. As soluções pensadas passaram desde multas ou agravamentos fiscais para quem não fosse votar. O voto virtual também foi abordado numa perspetiva "2.0" da coisa. A verdade é que, na minha opinião, a solução passa por criar uma consciência cívica desde cedo nos cidadãos e sensibilizar os jovens para a importância do voto. Nesta situação os pais, as escolas e os políticos têm um poder fulcral. Na verdade, os políticos têm o papel mais relevante, mas só pensam nisso nos períodos eleitorais. Esta importância sazonal tira importância ao ato eleitoral. Será que os candidatos, políticos e partidos não percebem que são os principais afetados?



quarta-feira, 1 de junho de 2011

O comboio para o ocidente

A Patrícia Geraldes tirou o curso de belas artes no Porto, foi expondo por Portugal e por outros países, mas não é pelo currículo que queremos falar dela. Isso são tudo coisas escritas e documentadas que podem encontrar aqui.
Queremos falar da Patrícia porque já viajou por muitas partes do mundo onde se perdeu, mas veio viver para Portugal numa aldeia perdida.

Sendo transmontana, é impossível não se lembrar da pergunta frequente que todos os tibetanos lhe faziam: Na tua terra há montanhas? A saudade que eles lhe lembravam é agora a saudade que tem do povo que considerou ser o mais genuíno e bonito.

Os tibetanos que estão fora do Tibete, estão sempre a juntar dinheiro para regressarem ou conhecerem o seu país em extinção e isso inspirou-a para fazer a série de 4 telas coloridas em homenagem ao povo tibetano intitulada “Todos os cavalos brancos espalharam a noticia que no mundo não ia haver mais cavalos brancos. Passaram por mim tão depressa que nem tive tempo de falar”. 

O oriente foi uma forte inspiração, até porque Patrícia viveu os últimos 2 anos na Índia. Neste país foi o poder das castas que a marcou. A hierarquia racial que define à nascença quem deve, ou não, ter acesso a privilégios, fez acontecer a Red gallery. Esta galeria baseou-se na seguinte ideia: só uma elite muito rica tem acesso à cultura, se a cultura estiver na rua todos a podem apreciar sem qualquer restrição. Juntou-se com dois artistas indianos, 5 alunos de belas artes e uma artista russa. Durante uma semana ao final da tarde, fizeram uma intervenção num jardim público. Os convidados VIPs conviveram com todos os transeuntes, numa rara mistura cultural.

Este tipo de intervenção seria impensável na Tunísia, onde esteve a viver durante a ditadura do General Zine El Abidine Ben Ali. Neste país sentiu na pele a censura logo na chegada à fronteira, onde deixou para trás livros e CDs proibidos. Com o telefone sob escuta e com um polícia a vigiar o atelier onde trabalhava, decidiu expor à revelia. Numa casa particular, montou uma exposição que estava indicada na rua com setas feitas por ela. Cada vez que acabava de as pôr tinha que recomeçar porque iam sendo removidas por pessoas invisíveis. Os únicos que apareceram foram amigos, porque o medo era maior que a curiosidade. O resultado desta exposição foram as caixas de desenho, caixas transparentes inspiradas nas mulheres tunisinas, que se reúnem em casa umas das outras para pintarem os seus véus.  

Depois destas e muitas outras viagens, voltou para Portugal onde ficamos a aguardar resultados sabendo que esta não é a sua última paragem. Entretanto, podem conhecer o trabalho da Patrícia Geraldes neste site, ou podem vê-lo ao vivo e a cores na Fábrica do Braço de Prata até ao dia 29 de junho.

As palavras engolidas são sempre água nos meus olhos